Análise: bullying e omissão geral estão na raiz dos ataques nas escolas
04/12/2023 Bullying
Ação mortal desta manhã em escola estadual do bairro de Sapopemba, na Zona Leste da Capital, é o 11º do ano no País
Omissão da escola, família e poder público, além dos desafios inerentes à juventude como bullying e dependência digital, explicam a escalada de ataques em escolas do Brasil, algo comum nos EUA. Esse cenário que deixa a comunidade escolar sob constante tensão precisa estar na ordem do dia no País. A avaliação é de especialistas ouvidos pelo Hora Campinas.
Na manhã desta segunda-feira (23), uma jovem de 17 anos morreu e outras duas ficaram feridas em um ataque a tiros na Escola Estadual Sapopemba, na Zona Leste de São Paulo. O autor dos disparos, um aluno de 16 anos do 1º ano do Ensino Médio, foi apreendido pela polícia, assim como a arma do crime. O caso voltou a levar apreensão a pais, educadores e estudantes em todo o País.
Segundo o movimento Avaaz, que monitora a violência nas escolas, 37 pessoas morreram desde 2012 em ataques registrados em colégios no País. A estatística não inclui a vítima desta segunda-feira (23)
Para a advogada Ana Paula Siqueira especialista em bullying e bullying digital, o alerta feito em abril pelo atirador (o jovem já havia registrado uma ocorrência, alegando ter sido vítima de agressões e ameaças) demonstra que, mais uma vez, “a ausência de ações efetivas de combate ao bullying pode ter causado a tragédia”.
Segundo a especialista, “o jovem autor dos tiros relatou o problema, porém, a situação continuou evoluindo até o desfecho fatal, hoje pela manhã. É o 11º caso no Brasil somente em 2023. Na grande maioria, os agressores alegaram vingança contra casos de bullying ocorridos anteriormente”, explica Ana Paula.
“E nesse sentimento de vingança, a vítima de bullying se torna algoz, cometendo esse tipo de ataque. “O bullying está ceifando a vida de nossos jovens, e escolas que permanecem inertes, sem programas eficazes de combate nos termos da Lei, são cúmplices dessas tragédias amplamente divulgadas.”
Ana Paula aponta a necessidade urgente de que as escolas implementem as medidas previstas na Lei 13.185/2015 (Lei do Bullying). Nesse contexto, é vital que as escolas, alerta a especialista, “tenham um programa de combate ao bullying e programas de cultura de paz devidamente registrados e aprovados pelas autoridades competentes.”
Estas ações, conforme estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em seu artigo 12, incisos IX e X, e pela recente lei 14.533/23, não são apenas uma recomendação, mas um mandato legal. “Os pais e responsáveis devem ser proativos, cobrando das instituições a apresentação desses documentos, garantindo assim que estão em conformidade com a legislação vigente e priorizando o bem-estar dos alunos”, complementa.
Ana Paula também ressalta que as escolas precisam estar cada vez mais preparadas para lidar com o bullying, seus agressores e suas vítimas. “Uma instituição que não tem o preparo necessário coloca em risco todos que fazem parte da comunidade escolar, especialmente seus alunos e deverá ser responsabilidade civil e criminalmente por suas ações e omissões”, completa Ana Paula Siqueira.
Ameaça crescente dos atiradores ativos
Raquel Gallinati, delegada de polícia e diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, também manifestou ao Hora sua opinião sobre a escalada de violência. “Mais uma vez, o País se depara com a realidade angustiante dos atiradores ativos em nossas escolas. Este trágico incidente, perpetrado por um adolescente de 16 anos, lança luz sobre uma série de questões urgentes que vão muito além do mero registro policial”, opina.
“Fica claro que é necessária uma ação conjunta para lidar com essa epidemia de violência nas escolas. Não basta responsabilizar apenas o agressor; é preciso agir preventivamente para evitar que tragédias como esta se repitam. A resposta deve vir de diversos setores da sociedade, enfatiza a delegada, que é mestre em Filosofia, pós-graduada em Ciências Penais, Direito de Polícia Judiciária e Processo Penal.
“Destacamos a importância da colaboração entre a inteligência policial e a direção das escolas. O monitoramento e a identificação precoce de potenciais ameaças são fundamentais. É inaceitável que tenhamos que reagir somente após a tragédia ter ocorrido”, cobra ela.
Raquel manda um recado direto: “É crucial envolver ativamente a comunidade escolar nesse processo. Os pais, professores, alunos e demais funcionários das escolas desempenham um papel vital na prevenção de conflitos e na promoção de um ambiente seguro e saudável”, observa.
“No entanto, a solução não pode depender apenas da atuação das escolas e da polícia. O governo deve desempenhar um papel decisivo no desenvolvimento e na implementação de políticas públicas eficazes que possam prevenir ataques como este. Ataques em escolas são sintomas alarmantes de uma sociedade que enfrenta um vácuo na segurança escolar e na prevenção de tragédias. Não podemos aceitar essa realidade como algo cotidiano”, insiste.
“Políticas públicas de prevenção, apoio psicológico, leis mais rigorosas e uma abordagem mais profunda da educação são componentes cruciais que devem ser incorporados ao nosso tecido social para evitar que futuras gerações de alunos e professores se tornem alvos desse tipo de violência”, alerta.
“O triste massacre na Escola Estadual Sapopemba é um lembrete doloroso de que a segurança nas escolas não pode mais ser negligenciada. A vida de nossos jovens e o futuro de nossa sociedade dependem disso. É um grito por mudança que não podemos mais ignorar”, encerra a delegada.